Prof° Sebastião é formado na primeira turma de Eng. Florestal no Brasil, Turma
1965 - UFPR
É
com muita honra e satisfação, que entrevistamos o Professor Dr° Sebastião do
Amaral Machado, nosso terceiro entrevistado da Central Florestal, e é um dos
primeiros Engenheiros Florestais do Brasil, com grande protagonismo no ensino
de ciências florestais no país. Possui a graduação pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR - 1965), mestrado em Dasometria, Mensuração Florestal pelo
Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas da Oea (1972) e doutorado em
Biometria e Manejo Florestal pela Universidade de Washington em Seattle Washington
U S A (1978). Atualmente é assessor/consultor da Fundação Araucária de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná e Professor Sênior da
Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Recursos Florestais
e Engenharia Florestal, com ênfase em Dendrometria e Inventário Florestal,
atuando principalmente nos seguintes temas: Bracatinga, Pesquisa Florestal,
Manejo Florestal, Floresta Tropical e Funções de Afilamento.
A
entrevista foi realizada por Luciano França, Coordenador de Redação do Central
Florestal, Leiam na íntegra abaixo:
Central Florestal – Professor Sebastião, antes de realizarmos perguntas mais
específicas sobre a história de criação do curso, gostaríamos de saber o que
lhe fez e motivou por volta da década de 60 a escolher o curso de engenharia
florestal?
Professor Sebastião – Na realidade não fui eu quem escolhi a Engenharia Florestal
e sim, a Engenharia Florestal que me escolheu. Quando eu terminei o colegial em
dezembro de 1960, eu tinha em mente fazer Agronomia em Viçosa. Antes de chegar
a Viçosa em janeiro de 1961, eu jamais tinha ouvido falar no curso de
Engenharia Florestal, o qual tinha sido criado no ano anterior. Eu me inscrevi
e fiz vestibular para Agronomia, sendo aprovado, porém não classificado. O processo
seletivo envolvia prova escrita e oral e durou mais de 15 dias de vestibular.
Naquele ano foram 400 candidatos inscritos para Agronomia e apenas 40 para
Engenharia Florestal. Deve-se observar que para ser aprovado o candidato tinha
que obter no mínimo nota quatro em todas as matérias do vestibular e média
cinco.
Das 20 vagas existentes na época para o curso de Engenharia
Florestal, foram aprovados somente 10 candidatos. Então a universidade
consultou aos 10 primeiros da lista de excedentes da Agronomia se eles
aceitavam cursar Engenharia Florestal. Todos os 10 primeiros excedentes
aceitaram com muita alegria se matricular em Engenharia Florestal. O fato é que
esses 10 excedentes se adaptaram muito bem a essa nova carreira e se tornaram
Engenheiros Florestais exercendo a profissão com muita galhardia. Hoje a gente
comenta que a males que vem para o bem! Assim, o destino me fez Engenheiro
Florestal.
Central Florestal – Professor, como conhecemos a história da criação do primeiro curso de Eng. Florestal no Brasil, já contada em um livro escrito pelo senhor, em artigos, e recontada em eventos, palestras, e mais recentemente em um Congresso digital online. Nossa segunda pergunta é como o senhor vê hoje, após mais de 50 anos da criação do curso, o processo de estabelecimento e valorização da profissão no mercado de trabalho?
Professor Sebastião – Quando as primeiras turmas ingressaram no
curso de Engenharia Florestal, para nós era como embarcar para o desconhecido.
Não existiam atribuições definidas e nem representação da classe. O que
tínhamos eram perspectivas. Coube a nós um trabalho árduo no processo de
estabelecimento e valorização da profissão e na abertura do mercado de
trabalho. Como profissão minoritária foi muito difícil conseguir dentro do
sistema CONFEA/CREAs as atribuições que julgávamos justas e baseadas no
currículo pleno que tínhamos. Até então a Engenharia Agronômica já muito
consolidada no país tinha todas as atribuições que o Engenheiro Florestal
achava serem suas por direito. Foram anos de lutas até chegar a um entendimento
razoável sobre nossas atribuições. Entendemos hoje que o próprio mercado mais
bem informado sobre as profissões faça a seleção, ou seja, do profissional mais
apropriado para exercer as atividades requeridas.
Central Florestal – Professor, fazendo uma volta no tempo, existe um nome principal, a
quem o senhor diria ser o mentor responsável pela criação do primeiro curso no
Brasil?
Professor Sebastião – Sem dúvida alguma o principal mentor
responsável pelo primeiro curso no Brasil foi o Doutor Paulo Ferreira
de Souza. O Doutor Paulo, como o chamávamos, logo após se graduar em
Agronomia e entrar para o Ministério da Agricultura trabalhando na parte
florestal, em 1926 foi fazer um aperfeiçoamento na Universidade de Yalle.
Durante o seu período de quase dois anos nos Estados Unidos ele se inteirou do
quão esse país estava adiantado em termos florestais comparativamente com o
Brasil. Nessa época a Engenharia Florestal nos EUA já era consolidada.
Ao
regressar ao Brasil ele começou a propagar este avanço e a sugerir que o Brasil
necessitava de um curso de formação florestal a nível superior. Assim ele foi
ao longo do tempo convencendo outros profissionais da necessidade que o país
tinha de criar seu curso de Engenharia Florestal. Apesar da insistência do
Doutor Paulo ao longo dos anos, tempos se passaram até que a ideia se
amadureceu, para em 1960, ser criado o curso.
Na
reta final das discussões para a criação do curso, vários outros profissionais
tiveram destaque e dentre eles cito o Doutor David Azambuja, então diretor do
Serviço Florestal Brasileiro. O Doutor Azambuja se encarregou de viabilizar
politicamente a criação da Escola Nacional de Florestas. O Doutor Paulo foi
quem redigiu a minuta de decreto para a criação da Escola. Na qualidade de já
aposentado pelo Ministério da Agricultura foi o primeiro diretor oficialmente
indicado. O Doutor Paulo permaneceu em Viçosa como diretor por menos de dois
anos. Ele se desentendeu com a direção da Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais, pediu demissão, sendo então substituído pelo Doutor João Maria Belo
Lisboa. Ressalte-se que ao alocar a Escola em Viçosa, o diretor da Escola de
Agronomia de Viçosa, Professor Carlos Socias Schlottfeldt, foi por quase um ano
diretor interino da Escola Nacional de Florestas.
Deve-se
ressaltar que a Escola Nacional de Florestas pertenceu em seus primeiros anos
de existência ao Ministério da Agricultura, passando a pertencer ao Ministério
da Educação quando foi transferida em 1963/64 para a Universidade Federal do
Paraná.
Central Florestal – Após a criação do curso na chamada Escola Nacional de Florestas,
em Viçosa, o curso foi transferido para UFPR em Curitiba (PR). Como foi em
termos de entendimento e aceitação entre os primeiros discentes e professores?
Houve muita resistência?
Professor Sebastião – Ao se criar a Escola Nacional de Florestas,
gestões foram tomadas para se firmar convênio com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) - FAO da ONU para suprir o curso com professores
para as disciplinas profissionalizantes. Quando os professores da FAO, vindos
de diversos países chegaram a Viçosa, eles começaram a questionar a sua
localização, alegando que a região de Viçosa quase não tinha florestas e muito
menos indústrias florestais. Além disto, eles achavam que Viçosa era muito
remota.
Assim
começaram a trabalhar no sentido de transferência da Escola para uma região de
tradição florestal e com indústria madeireira. Também por motivos políticos o
então presidente João Goulart ao receber a solicitação, assinou o decreto de
transferência em 14 de novembro de 1963. Evidentemente houveram muitos
burburinhos por parte tanto dos professores como dos estudantes. Os professores
da FAO queriam sair de Viçosa e outros professores dos cursos básicos de Viçosa
eram contrários. Os alunos, em assembleia, decidiram por maioria absoluta
apoiar a transferência. A juventude sempre gostou de novidades e foi isto que
aconteceu com os estudantes, embora alguns poucos tenham votado contra a
transferência. Isto evidentemente não ia alterar em nada porque a decisão já
tinha sido tomada. Assim ao terminar o ano letivo em início de dezembro de
1963, os estudantes receberam a orientação para se apresentarem em 1º de março
de 1964 em Curitiba para o início das aulas.
Central Florestal – Professor, hoje no Brasil já temos 68 cursos de bacharelado
em engenharia florestal espalhados por 58 instituições de ensino pelo
território nacional, segundo a SBF. Como o senhor vê essa expansão, levando-se
em consideração que é um curso relativamente novo no país? E com a expansão e
interiorização das universidades há alguns anos, houve uma explosão na criação
de mais cursos, e ainda com forte tendência e influência até os dias de hoje,
uma vez que novos cursos estão surgindo. O senhor se vê otimista com esse
aumento em números de cursos?
Professor Sebastião – Eu vejo esta expansão com alguma cautela. O
presidente da SBEF (Bantel) é de opinião que temos espaço no Brasil para 120
cursos, sendo um para cada ecossistema do país. Por outro lado, devemos estar
graduando em torno de 2 mil Engenheiros Florestais por ano. O mercado de
trabalho não tem absorvido toda esta quantidade de engenheiros florestais. No
entanto, uma quantidade grande de profissionais pressionando ajuda a expandir
esse mercado e a ocupar os espaços para os quais o Engenheiro Florestal seja o
mais preparado.
Central Florestal – Após sua graduação, em
1965, o senhor foi ao exterior desenvolver um mestrado pelo Instituto
Interamericano de Ciências Agrícolas da Oea (1972) e doutorado pela
Universidade de Washington em Seattle Washington U.S.A (1978), além de algumas
especializações em outros países, uma vez que ainda não havia nenhum programa
de pós-graduação no Brasil. Hoje no país, segundo dados da SBF, temos 11 cursos
de pós-graduação em Ciência Florestal, em 21 universidades. Como o senhor vê a consolidação da pós-graduação florestal no
país? Hoje elas conseguem atender a uma demanda de formação de cientistas
competitivos a níveis nacional e internacional?
Professor Sebastião – Antes de começar a responder a questão, eu
gostaria de lhe informar que existem 21 programas de Pós-Graduação em
Engenharia Florestal no país, dos quais 14 tem mestrado e doutorado e os outros
apenas mestrado. O primeiro programa a nível de mestrado foi criado em 1972 na
Engenharia Florestal da UFPR e o primeiro de doutorado também foi criado na
UFPR. A partir destas datas foram sendo criados vários outros em diversas
instituições no país afora. Até o ano de 2014 inclusive foram formados 4448
mestres e 1300 doutores, perfazendo um total de 5768 pós-graduados formados em
nossos diversos programas de Pós-Graduação. Após mais de 40 anos de
existência, pode-se considerar que a Pós-Graduação no Brasil está consolidada.
Com as exigências da CAPES os cursos tem que cumprir requisitos mínimos para
funcionamento e recebimento de bolsas pelos pós-graduados. Creio que a maioria
de nossos cursos atingiram ou estão atingindo um bom nível na tentativa de
alcançar a excelência de cursos dessa natureza espalhados pelo exterior. Muitos
trabalhos de pesquisa de ponta têm originado dissertações, teses e artigos
científicos. Claro que ainda há espaço para melhorar.
Central Florestal – Professor, como é
propriamente dito, fazer parte do ensino florestal desde a década de 60, e
ainda atuar ativamente na docência e orientação de estudantes na UFPR?
Professor Sebastião – Existem vícios difíceis de se largar,
principalmente quando este causa algum prazer. Este é o meu caso. Como não sei
fazer outra coisa a não ser trabalhar no ensino, na pesquisa e na orientação,
eu continuo nessa jornada, a qual não pretendo parar enquanto a vida me
permitir e eu me sentir como tendo alguma utilidade no meio. Na realidade
ensinando e orientando eu continuo aprendendo a cada dia da vida. Isto me dá
prazer e motivação em continuar ativo.
Central Florestal – De onde vem toda a energia e estímulo para
continuar contribuindo ativamente com o ensino e ciência florestal?
Professor Sebastião – Embora na resposta da questão anterior eu já tenha incluído o
aspecto referente a esta nova questão, eu poderia acrescentar que a energia vem
de minha índole ligada ao trabalho desde os tempos em que eu tinha poucos anos
de vida. Comecei a trabalhar muito cedo inclusive em serviços braçais. Assim eu
me sinto mal ficar em casa sem fazer nada. Sentir-me-ia um inútil na sociedade.
Central Florestal – E os seus amigos da
primeira turma, aqueles ainda em vida, por onde andam hoje?
Professor Sebastião – Fomos 17 os graduados na turma de
Engenheiros Florestais pela Escola Nacional de Florestas da UFPR no ano de
1965. Destes, sete dedicaram ao ensino sendo: três em Curitiba, dois em Viçosa
e dois em Lavras; os outros dez se espalharam por órgãos públicos e empresas
privadas. Quatro dos colegas já faleceram, sendo que dois deles ainda jovens.
Deve-se ressaltar que todos já se aposentaram, porém alguns como é o meu caso
continuam ativos na profissão principalmente como consultores ou fazendeiros.
Ressalte-se que minha turma mantém unida até hoje, haja vista que nos reunimos
todos os anos no mês de setembro por três dias e cada ano em lugar diferente.
Quase sempre, todos ou quase todos comparecem. No último ano (2015) tivemos
nossa reunião de gala quando completamos bodas de Ouro e tivemos uma solenidade
Magna na UFPR presidida pelo reitor, quando de beca, fomos por assim dizer,
“rediplomados” com orador de turma e tudo mais.
Central Florestal – Professor, já chegando ao final da
entrevista, existe hoje, principalmente entre as instituições mais
interiorizadas, muitos estudantes um tanto desestimulados com a profissão,
muito devido à crise econômica que direta e indiretamente afeta uma possível redução
de demanda por profissionais recém-formados. Para o Central Florestal tem sido
uma grande luta a ser travada que é contribuir para que estudantes, sobretudo
aqueles recém-formados, não migrem para outras áreas por falta de estímulo na
área florestal. O que senhor pensa sobre isso, e qual recado pode deixar para
essa geração de formandos, e para aqueles estudantes de ensino médio
interessados no curso?
Professor Sebastião – Crises sempre existiram e continuarão
existindo. No entanto estas são para todos os profissionais e para a sociedade
em geral. Como elas vêm, elas se dissipam. Se você realmente estiver na
profissão que você gosta, não a abandone facilmente após a primeira decepção.
Continue insistindo mesmo que você consiga um trabalho fora da profissão.
Central Florestal – Professor Sebastião, esse é a nossa última
pergunta, mas não menos importante. Já são 56 anos de engenharia florestal no
Brasil, o que podemos esperar para os próximos 56 anos? Do ponto de vista da
formação de engenheiros florestais. E para fechar, se possível deixe uma
mensagem geral de força, ânimo e desafios para toda a classe de profissionais
da eng. Florestal.
Professor Sebastião – A grande demanda para profissionais da
Engenharia Florestal nas duas primeiras décadas (60 e 70) de sua existência
tinha um perfil de formação voltado para os sistemas de implantação de
florestas homogêneas. Foi a época dos incentivos fiscais ao reflorestamento
para atender basicamente os programas de papel e celulose e siderurgia. Com o
passar dos tempos a silvicultura foi se tornando cada vez mais sofisticada,
exigindo assim uma formação de profissionais que também tivessem conhecimentos
na área administrativa e métodos operacionais que garantissem os abastecimentos
fabris em quantidade e custos competitivos. O grande impulso no que se refere a
aplicação de tecnologia de ponta se deu com os plantios clonais, o que tornou o
Brasil pioneiro em reflorestamento em grandes áreas usando essa técnica
liderada e implementada por engenheiros florestais. Concomitantemente com o
passar dos anos foi se exigindo também Engenheiros Florestais com perfil
ambientalista. O manejo das florestas tanto plantadas como nativas foi se
tornando cada vez mais sofisticado. No que se trata de florestas plantadas, o
Brasil atingiu a vanguarda mundial, graças em grande parte, ao trabalho e
conhecimento dos Engenheiros Florestais brasileiros. Embora os engenheiros
florestais tenham-se no momento dedicado muito trabalho também às florestas
nativas, ainda há muito caminho a percorrer até atingirmos o ideal do que se
refere a estas formações florestais. São ambientes complexos e muito mais
difíceis de serem entendidos. Em síntese, há necessidade de preparo
profissional específico para cada região do país. Muitos dos Engenheiros Florestais
que virão trabalharão por conta própria.
Nos últimos anos o enfoque tem sido dado à silvicultura de
precisão e à sustentabilidade ambiental, os quais exigem aprimoramento
técnico-científico e maior sofisticação na formação de Engenheiros Florestais,
tanto para cuidar das florestas de produção, como das florestas destinadas a
conservação do meio ambiente. Exigir-se-á no futuro, profissionais hábeis na
prestação de serviços ligados ao setor florestal o que demandará de
empreendedores. Em síntese os engenheiros florestais que eram no início da
profissão preparados basicamente para serem empregados públicos ou privados,
num futuro que já está chegando o engenheiro florestal vai ser o dono do
próprio emprego.
Como
mensagem aos futuros engenheiros florestais eu recomendaria que estudem e
procurem absorver os ensinamentos repassados nos bancos escolares; no entanto
não se limitem apenas a isso procurem solidificar e mesmo ampliar estes
conhecimentos participando de atividades extracurriculares, tais como: palestras,
seminários, visitas técnicas e principalmente de estágios de diversas
naturezas. A pós-graduação também é desejável, mesmo para aqueles que irão para
a iniciativa privada. Quanto mais conhecimento se adquire mais competitivo você
se torna.
Pessoal, essa foi nossa entrevista exclusiva com ele que uma das
maiores referências no ensino florestal brasileiro. Ao Prof° Sebastião, ficam
os nossos protestos de respeito e gratidão por essa entrevista, e pelo que és e
representa à engenharia florestal brasileira. E você, o que achou da entrevista
e do tema abordado?
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Parabéns ao pessoal da Central Florestal e fortíssimo abraço ao querido amigo Professor Sebastião. Exemplo de profissional. Leitura imperdível a todos os silvicultores!
ResponderExcluirFoi meu professor no Doutorado em Engenharia Florestal da UFPR; muito orgulho do Prof. Sebastião.
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