Apresentamos um relato textual de um dos primeiros engenheiros florestais do Brasil

Por José Sales Mariano da Rocha

Já se faz sentir, no País, a necessidade de uma vigorosa Política Florestal capaz de evitar a devastação do que ainda existe e de reconstituir ou formar florestas onde for conveniente. Para tanto, impõe-se criar uma consciência nacional do problema, que se agrava assustadoramente. E, mais uma vez, as armas são o desenvolvimento econômico e a educação em seu sentido mais amplo e atualizado. 
      
São palavras do saudoso Dr. Paulo Ferreira de Souza, em 1958 (lá se vão quase 60 anos), autor do Anteprojeto de Lei que criaria a Escola Nacional de Florestas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (maior Campus Universitário da América Latina, com mais de 3.000 ha e eleita a 8ª Universidade mais bela do mundo), localizada no Município de Seropédica no Estado do Rio de Janeiro (antigo km 47 da estrada Rio-São Paulo).

Colegas, amigas e amigos, aproveitando este gancho do Dr. Paulo, podemos iniciar a nossa “praelectio onis” (reportagem), como dizia Cícero, relembrando a todos que as florestas da Terra ocupam 4 bilhões de hectares das terras emersas, isto representa perto de 30 % da superfície do planeta (exceto, obviamente, oceanos, mares, rios e lagos).

Se ainda hoje a exploração florestal fosse racional, ter-se-ia esse “bem” como fonte inesgotável de riquezas. Para isso seria necessário aproveitar somente os “rendimentos florestais” e recuperar as áreas já devastadas (onde há menos de 25 % de cobertura florestal por Região, Estado ou Bacia Hidrográfica). Esse tipo de uso racional e recuperação das florestas era o que preconizava também o Dr. Paulo Ferreira e por isto é que ele queria criar o Curso de Engenharia Florestal no Brasil. Em 1958 ele lançou um livro mostrando a existência e a importância de todos os Cursos de Engenharia Florestal do mundo, tentando com isto justificar a necessidade da criação da Escola Nacional de Florestas em Seropédica.

Pois bem, com relação à devastação florestal no Brasil esta atingiu seu ápice inicial, portanto pós-portugueses, com as invasões holandesas. Tivemos, na época, 3 milhões de km² entregues ao extrativismo impiedoso.

Quanto aos portugueses, estes extraiam as melhores e mais nobres essências florestais e as enviavam para a Europa, onde os Jacarandás da Bahia brilhavam nos mobiliários dos palácios e nas residências da nobreza portuguesa e europeia.

Neste episódio figura um personagem de destaque, que na esteira de sua destruição, ficou marcante para nós: o Pau Brasil.  Poucos conhecem a história real desta espécie florestal: era usada como lenha. Os Portugueses observando as bolhas vermelhas que saiam ao pé da lenha no fogo, concluíram, que se fervessem cavacos daquela madeira poderiam fazer uma tinta e assim fizeram. Colocaram uma camisa branca naquele líquido e ela ficou colorada. Foi um sucesso na Europa. Usando camisas vermelhas os camponeses de Portugal descobriram que os bois ficavam mais furiosos com aquelas cores e corriam atrás dos peões. Assim surgiu a capa das touradas.

Outro episódio marcante da história geral foi a devastação do território africano ao longo dos séculos, delegando àquele continente o Deserto de Saara. Algo semelhante poderá acontecer em nossa Amazônia, com quase 20% já devastada, pois como dizia o Governador Amazonino: “se a Inglaterra devastou todo o seu território e é um País do primeiro mundo, porque não podemos devastar a Amazônia e crescermos iguais a eles? Sábia colocação: só esquecia ele que a Amazônia está em uma região quente, equatorial e não comporta desmatamentos; é só ver o que aconteceu na África.  Outros desertos, entre aspas, já surgem no País e todos os autores da nossa profissão os conhecem.

Contribuindo com a destruição ambiental e contaminando o Território Nacional estão aí também os agrotóxicos, os lixos, os esgotos a céu aberto, as indústrias poluentes e a pior contaminação de todas: a poluição mental (roubos, assassinatos, corrupção, depredações do patrimônio público, queimadas, assaltos, “bullyings” e muitos outros).

Leis importantes, e as melhores do mundo, foram criadas aqui para proteger e impor respeito aos nossos Recursos Naturais Renováveis, tais como: Leis dos recursos hídricos, do ar, dos solos, dos animais e das florestas, sendo a mais marcante da época a Lei de nº 4.771/1965 – Código Florestal – que de bom tinha duas coisas: 1) estipulava a obrigação da divulgação de temas florestais pelas rádios e televisões de, pelo menos, cinco minutos semanais (todavia, as emissoras divulgavam os temas de madrugada e o efeito esperado não existiu). 2) ajudou a estancar a destruição florestal do Brasil que tinha o efeito cascata com permissividade pelo Código Florestal de 1934, Decreto nº 23.793/1934, que obrigava aos proprietários de terras a manterem 25% de suas áreas cobertas com florestas. Compravam áreas com 100% de cobertura florestal, devastavam 75% e vendiam para “conhecidos” os 25% totalmente revestido de matas que por sua vez eram desmatados em 75% e assim por diante e deu no que deu: o Brasil social, abaixo do paralelo 20, ficou, e está, com menos de 8% de sua cobertura florestal nativa primária.

Por sua vez a Lei de nº 12.651/2012 instituiu o Novo Código Florestal, que a nosso ver trata-se de uma verdadeira farsa, inicialmente denunciada pelo saudoso Dr. Aziz Ab’Saber e posteriormente pelo “Green Peace”. Eu, pessoalmente, estou fazendo um artigo substancial sobre essa farsa do Novo Código Florestal e brevemente vocês tomarão conhecimento.

Pois bem, para conter a destruição florestal e ambiental do País, para meter ombros a essa gigantesca e nobre tarefa (como dizia nosso Professor Douglas Marvin Knudson: “We need put our shoulder to the wheel”), para evitar a continuidade da deterioração do Brasil e sabedor que o Rio Grande do Sul era o maior exportador de Araucaria Angustifolia do País, o Dr. José Mariano da Rocha Filho (Reitor da Universidade Federal de Santa Maria), em princípios de 1958, solicitou audiência e foi à Alemanha para se reunir com representantes da FAO, em Munique, onde foram tratados os primeiros acertos sobre a criação efetiva da Engenharia Florestal no Brasil, curso este que seria instalado na referida Universidade (UFSM). Note-se que tal desiderato caiu no conhecimento do Dr. Paulo Ferreira de Souza, o qual, de imediato assimilou a ideia e elaborou o Projeto de criação do Curso de Engenharia Florestal para Seropédica, conforme dissemos no início. (Poucos colegas conhecem essa verdadeira história).

Assim, em 1963 a Comitiva da FAO esteve em Brasília, chefiada pelo Dr. Paulo Ferreira de Souza e pelo Dr. Wanderbilt Duarte de Barros e foram recebidos, pelo então Presidente da República, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, para o qual expuseram o tema em epígrafe.

De imediato o Dr. Kubitschek apoiou a ideia e, como ele era “rápido no gatilho”, disse: “preparem o Projeto porque vamos iniciar o Curso no próximo ano (1964), só que tem uma condição, o Curso de Engenharia Florestal terá que ser em Minas Gerais”. E assim foi escolhida a cidade de Viçosa por ter uma escola de Agronomia de renome internacional, já reconhecida naquela época. O final da história vocês, Engenheiros Florestais, já sabem.

Ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek foi o responsável pela autorização da criação do curso de engenharia florestal no Brasil. Reprodução. Fonte da Imagem: UOL
Após quatro anos de funcionamento em Viçosa, o Curso de Engenharia Florestal foi transferido para Curitiba e no mesmo ano foi aberto novo Curso em Viçosa, onde permaneceram cinco dos futuros e primeiros Engenheiros florestais do País (e aqui lhes escreve um dos cinco).

Em 1969, a pedido do saudoso Dr. Marianinho, viemos para Santa Maria para criar o 3º Curso de Engenharia Florestal do Brasil, o que, a exemplo do Dr. Kubitschek, o Dr. Mariano também era “rápido no Gatilho” e o Curso teve início no ano seguinte, onde tivemos a grata satisfação de ter Coordenado este Curso por quatro períodos de dois anos.

No início do Curso tivemos inúmeros empecilhos e mesmo lutas e brigas, inclusive corporais, e isto se deu porque o Centro de Ciências Rurais da UFSM era dominado pelo Curso de Agronomia e eles não queriam permitir a criação de um Curso Novo, que além de desnecessário, segundo os Agrônomos, viria a competir com eles, especialmente sabedores que foram que o Novel Curso seria Coordenado por uma pessoa que “não era prata da casa”, verdadeiro desconforto, bairrismo e descalabro científico, pois mal sabiam eles que a nossa Profissão nada tem a ver com a Agronomia.

Na Ocasião informamos ao Conselho do Centro de Ciências Rurais da UFSM que a Engenharia Florestal trabalharia e pesquisaria cinco vertentes ambientais:

- Ar (despoluição);
- Solos Florestais (despoluição e uso por florestas);
- Recursos Hídricos (conservação e preservação);
- Animais silvestres (despoluição, conservação e preservação) e
- Vegetação: florestas arbustivas e arbóreas (produção, conservação, preservação  e uso).

Trabalhando nestas vertentes estaríamos criando condições de vida digna para os animais e para os seres humanos.

Na mesma reunião informamos a eles (Colegiado do CCR) que a Amazônia, que ocupa 54% do Território Nacional, tem vocação florestal e precisa continuar como tal e também informamos que 42% das terras do Rio Grande do Sul têm Capacidade de Uso (Uso Potencial) para fins florestais (Pesquisa feita pelo Prof. Dr. Raimundo Lemos e publicada em seu livro “Levantamento dos Solos do Rio Grande do Sul”). E por isso há necessidade do Engenheiro Florestal.

Mostramos também ao Egrégio Conselho do CCR que a vertente da Agronomia se referia à nobre missão de produzir alimentos para a sobrevivência humana e animal. 

Após estas resumidas explanações passamos a ter o apoio do Curso de Veterinária e do Curso de Zootecnia, dois outros excelentes Cursos do CCR vigentes na época e ... assim foi aprovada a criação do Curso de Engenharia Florestal na UFSM, cujos objetivos na época eram: 

- Formar Engenheiros florestais;
- Desenvolver o Ensino, a Pesquisa e a Extensão Florestal;
- Colaborar com as Instituições congêneres e com os Órgãos Governamentais no sentido da recuperação e conservação dos RNR;
- Assegurar a perpetuidade das florestas com o Manejo Florestal Sustentável;
- Criar Cursos de treinamento de Guardas Florestais e de Técnicos Florestais;
- Promover a Educação Florestal e Ambiental;
- Promover a orientação acadêmica a respeito do Código Florestal e das Leis Florestais e Ambientais.
                
Objetivos estes que hoje estão ampliados em virtude da ocupação dos egressos da Engenharia Florestal em mais de uma centena de diferentes frentes de trabalho.

Temos que ter em mente que a Área Ambiental está para a Engenharia Florestal assim como o Ar está para os nossos Pulmões. Estamos perdendo grandes conquistas na área ambiental, especialmente pelo fato de alguns colegas ainda acreditarem que a vertente do nosso Curso é somente florestas (Crasso engano, como relata a história: Marcus Licinius Crasso querendo conquistar a Pérsia levou 50.000 romanos à morte passando por um desfiladeiro para cortar caminho. Não tinha ele noção de estratégia e cometeu o “Crasso erro”, que esperamos não acontecer com a Engenharia Florestal frente aos Assuntos Ambientais).

Para que vocês tenham uma ideia do que pensavam sobre a nossa realidade florestal vou lhes contar dois casos rapidinhos:

1.       Quando fomos nos registrar no CREA em Porto Alegre (em 1969) tivemos o Registro negado, alegando eles que a Profissão de Engenheiro Florestal não existia (vejam que a primeira turma se formou em 1964) e tivemos que fazer o Registro, de número RS005828, mediante interpelação judicial.

2.       Quando solicitamos a inclusão do Sensoriamento Remoto como disciplina no Curso de Engenharia Florestal da UFSM (em 1972) o Relator do Projeto, Decano do Centro de Tecnologia (Engenheiro Civil), disse em Reunião do Conselho que não compreendia o porquê daquela disciplina, pois acreditava que o proponente, no caso eu, havia assistido muitos filmes do Flash Gordon e estava entusiasmado com “coisas espaciais, futurísticas e utópicas”. Esta declaração mostra claramente que estamos muito à frente dos nossos “supostos” concorrentes.

Pois é prezadas e prezados colegas, por derradeiro vou lhes deixar uma mensagem sobre as expectativas da Engenharia Florestal e as Realidades Atuais:

A causa Florestal no Brasil nunca esteve melhor para trabalharmos nela e isto devemos aos destruidores das florestas e do meio ambiente, pois cabe a nós “arrumar a casa”. Não seria demais recordar a todos a riqueza disponível para os trabalhos dos Engenheiros Florestais:

Frentes de trabalho relacionadas à Importância econômica das florestas:

Florestamentos Energéticos
Florestamentos econômicos
FlorestamentosEcológico

Frentes de trabalho relacionadas à Importância ambiental das florestas:

Infiltração de Água no solo
Absorção de Partículas Sólidas e Gasosas em Suspensão no Ar
Eliminação ou Minimização da Poluição Sonora
Sombreamento

Usos Gerais:
a - Produção de frutos comestíveis (diversos);
b - Produção de folhas, raízes e cascas medicinais, para uso em chás e no chimarrão;
c - Produção de madeiras nobres para a indústria de móveis em geral;
d - Postes, moirões, tramas, barrotes e dormentes (usados nas ferrovias), fósforos e palitos;
e - Produção de papel, celulose, pasta mecânica;
f - Produção de perfumes;
g - Produção de remédios;
h - Produção de berços e caixões - primeira e última moradia;
i - Construções diversas: casas, galpões, pontes, porteiras entre outras;
j - Uso em geral no paisagismo: áreas de lazer, “campings”, parques e jardins;
l - Proteção e conservação das faunas silvestres; 
m - Frutos e sementes para a produção de óleos, essências, fibras, ceras e gorduras;
n - Raízes e cascas para produção de fibras, tanino, cortiça, gomas, resinas, bálsamos, produtos medicinais, corantes e extratos.

Enfim, é um mundo à nossa espera.   
               
Quanto às realidades atuais?


Quanto às realidades atuais são as melhores possíveis, apesar, digo novamente, de termos colegas que só enxergam o lado negro da situação florestal brasileira e transferem este negativismo para a profissão. A profissão de fé na Engenharia Florestal é inquebrantável e nada nos direcionará para as lateralidades do túnel da vida, pois a nossa caminhada é para a luz do fundo e ali chegaremos triunfantes. 

Sabem porque digo isto com segurança? Porque é deveras estranhável, e até mesmo paradoxal, que o Brasil, com seu nome tirado de uma essência da nossa flora, nome este que está simbolicamente representado no pendão auriverde de nossa pátria, decantado e sendo constantemente proclamado por escritores e cientistas nacionais e estrangeiros, como sendo também um País de extensas florestas e rios, dotado de belíssimas e preciosas madeiras de Lei, sendo o mais rico País do mundo em Recursos Naturais Renováveis, não podemos jamais desanimar, e jamais esquecer que é de nossa eterna responsabilidade manter este Território despoluído e produtivo: Vocês sabem o que é mundo? E o que é imundo?
Mundo (limpo) sim, imundo (sujo), não.

A nossa missão é fazer do Território Nacional um Novo Mundo, portanto limpo e produtivo, pois somos guardiões da profissão mais importante da Terra: a Engenharia Florestal.

José Sales Mariano da Rocha
Doutor e Livre Docente em Temáticas Ambientais

*Texto elaborado pelo autor exclusivamente para a Central Florestal

4 Comentários

  1. Corrigindo , o primeiro curso de Engenharia Florestal, foi criado na Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, e o primeiro Eng. Formado, foi o meu orientador, Hercio Pereira Ladeira.

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  2. Belo texto. Eu, como recém formada, fico muito feliz em ler a nossa história que pouco ou as vezes nem é dito nas salas de aulas.

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  3. Parabéns pelo fantástico texto.
    Amadeu Santos

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