A história por trás do primeiro curso de Engenharia Florestal do Brasil
A Central Florestal buscou esclarecer alguns questionamentos sobre a
chegada da Engenharia Florestal no Brasil
O primeiro
defensor das florestas brasileiras publicamente conhecido foi José Bonifácio de
Andrada e Silva, que, por possuir algum conhecimento na área biológica e
acentuado interesse por estudos da natureza, foi que no início do século XIX
começou a fazer campanhas contra o desmatamento indiscriminado, doravante
acentuado após o descobrimento do Brasil em 1500. Porém, foi Dom Pedro II,
Imperador do Brasil, quem tomou a primeira atitude florestal concreta,
ordenando o completo reflorestamento, com espécies nativas, das serras da
Tijuca circundantes à cidade do Rio de Janeiro, cobertas então por cafezais, a
fim de proteger os mananciais de água para o abastecimento da cidade. Em 1940,
nesta área, foi criado o Parque Nacional da Tijuca, que apresenta atualmente,
composição vegetal muito semelhante à florestas primárias.
Além
destes fatos, outros aspectos importantes para a profissão florestal no Brasil,
merecem ser citados. A criação do Serviço Florestal de São Paulo em 1898 trouxe
inúmeros benefícios ao setor florestal brasileiro, nos quais a Silvicultura deu
seus primeiros passos, com a conservação e introdução de espécies exóticas no
país. Destacam-se ainda outras entidades que foram sendo fomentadas ao longo
dos séculos, tais como o Serviço Florestal do Ministério da Agricultura (1926),
o Instituto Nacional do Pinho (1941). Assim como, nas primeiras décadas do
século 20, a chegada de Edmundo Navarro de Andrade, Engenheiro Agronomo da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com a introdução do gênero Eucalyptus
em Rio Claro, São Paulo, fortaleceu os primeiros estudos e fomento público para
estudos florestais.
UFV ou UFPR?
Formalmente,
o ensino florestal no Brasil, antes de 1960, já era oferecido de forma
incipiente nas escolas de Agronomia, que tinham e mantêm até hoje suas
disciplinas de Silvicultura. Alguns dos professores destas escolas tiveram
atuação destacada no campo florestal, entre eles Heládio do Amaral Melo, de
Piracicaba, e Arlindo de Paula Gonçalves, de Viçosa, que foram baluartes para o
desenvolvimento e consolidação da Engenharia Florestal no Brasil.
Estava
assim decidida a criação e, ao mesmo tempo, a localização da Escola de
Florestas.Vale
mencionar que em ocasião alguma se havia pensado em localizar a escola em Minas
Gerais e sequer alguém de Viçosa havia feito qualquer reivindicação ou
participado desse processo até então. O grupo de trabalho montado pelo
ministro, tinha planejado a criação da Escola Nacional de Florestas – ENF junto
a Escola Nacional de Agronomia – ENA da Universidade Rural do Brasil, em São
Paulo. E teria sido a ENA quem já havia reivindicado a Escola Nacional de
Florestas desde que a ideia surgiu. A decisão do Presidente frustou a
iniciativa dos propositores. Sobretudo, segundo TEREZO (2014), foi na Amazônia
onde há mais de 60 anos iniciavam-se os primeiros sacrifícios em pesquisas
florestais, o que também indicaria ser a região amazônica um potencial local
para início da primeira escola de florestas do país.
Sabe-se
que o ensino florestal de nível superior começou na Alemanha, na Academia
Florestal de Tharandt, criado em 1911. Do qual decorreu-se a criação de outros
cursos pelos países da Europa.
Já no Brasil, há ainda entre o meio acadêmico
muitas controvérsias sobre onde de fato iniciou-se o primeiro curso de nível
superior de Engenharia Florestal. O Brasil foi o sexto país da América Latina a
criar a carreira florestal profissionalizada.
Foi durante o I Congresso Florestal Brasileiro realizado em Curitiba, entre 13
e 19 de setembro de 1953, onde discutiram-se as deficiências da área de
Silvicultura no ensino superior no brasil, sobretudo da escassez de
profissionais especialistas na área florestal.
Onde demonstrou-se ali a necessidade da criação da Escola Nacional
de Florestas, culminando com a apresentação e aprovação pelo plenário
desse evento, da proposição de nº 45 que decretava a lei para criação da Escola
Nacional de Florestas.
Após um grande movimento político, acadêmico e técnico, foi que o assunto
chegou de fato a sensibilização da opinião pública nacional, o que despertou
finalmente o interesse do próprio escalão superior da administração pública. O
então Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira, atento aos
anseios da sociedade e também sensível ao problema, em carta enviada ao
Ministério da Agricultura recomendada que se criasse um grupo de trabalho para
apresentar ao governo um plano de ação que permitisse equacionar o problema
florestal no Brasil. Foi aí que o Ministro da Agricultura, Mário Meneghetti,
atendendo imediatamente a ordem do Presidente Kubitschek, constituiu e
nomeou um grupo de trabalho composto por representantes das principais
entidades criadas até então sobre assuntos florestais.
Assim,
coube ao Serviço Florestal do Ministério da Agricultura,
sob administração do Professor Azambuja, prepara uma exposição
de motivos, acompanhada de minuta de decreto, no
qual justificava-se a necessidade da criação da escola, a qual foi
submetida ao Ministro da Agricultura Mário Meneghetti que, por sua vez,
submeteria o assunto à presidência da república.
Como
o Presidente Juscelino viajava constantemente, os despachos com os ministros
eram irregulares. No entanto, um fato novo se apresentou-se inesperadamente. Os
ministros foram convidados para um almoço, juntamente com o chefe da Nação, em
um navio italiano que iniciava sua linha para a America do Sul. Entre outros,
compareceram ao almoço, os Ministros Mário Meneghetti da Agricultura e Clóvis
Salgado da Educação. Conforme AZAMBUJA (1971), ao se avistarem, estabeleceu-se
o seguinte diálogo:
Mário Meneghetti: Clóvis, vou
criar uma escola!
Clóvis Salgado: Desejo participar
dessa criação..., mas que escola é essa?
- A Escola Nacional de Florestas, respondeu o Ministro Meneghetti.
Terei o maior prazer que seu ministério participe desse empreendimento.
Fortuitamente, nesse mesmo momento, chegou o Presidente Juscelino Kubitschek,
que logo se dirigiu ao Ministro Meneghtti em tom hilariante, como era
de seu temperamento expansivo:
- Ministro, o senhor não
despacha mais comigo?
O ministro Mário Meneghetti respondeu no mesmo tom:
-Presidente, há 45 dias
tento despachar com Vossa Excelência e não consigo. Há assuntos
muito importantes a serem submetidos ao senhor.
O presidente, não se dando por achado, exclamou:
- O que trama meus
ministros?
- A criação de uma
escola de florestal, responderam ambos.
Sem pestanejar, o
Presidente retrucou:
-Só se for em Minas
Gerais.
O ministro Clóvis Salgado, também mineiro, fazendo coro com o
Presidente, completou:
-... E em Viçosa!
![]() |
Juscelino Kubtschek, na época então presidente do Brasil |
A decisão unilateral do Presidente Kubitschek em criar a
Escola Nacional de Florestas em Viçosa, dentro de uma instituição
estadual, a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), não só
invalidava a exposição de motivos e minuta do decreto anteriormente enviada ao
Ministro da Agricultura, como trazia muitas dificuldades, sob o ponto de
vista administrativo. Tornava-se necessário firmar convênio entre
o Ministério da Agricultura, da Educação e Universidade
Rural do Estado de Minas Gerais – UREMG, para que pudesse viabilizar
formalmente a criação da Escola Nacional de Florestas dentro de uma instituição
estadual (UREMG).
Assim, todo o trabalho de organização e preparação foi feito com
eficiência. A divulgação do novo curso, embora de forma restrita, foi também
feita dentro das possibilidades da época. Assim o primeiro Vestibular da ENF
realizou-se nos últimos dias de março. Inscreveram-se 56 candidatos, dos quais
27 foram aprovados, porem um desistiu no início do curso. A ideia era ter
somente 20 vagas na primeira turma: deve-se ressaltar que, dos 26 matriculados,
uma era mulher, e se chamava Alcina Morici, a qual se formou em 1964,
tornando-se a primeira engenheira florestal do Brasil.
A transferência do curso de Viçosa (MG)
para Curitiba (PR): Um fato raro
Em
virtudes de problemas políticos, de falta de planejamento adequado para a
criação do curso em Viçosa, e por estar em um Universidade estadual, onde os
recursos na época já eram limitados, tentou-se mitigar a Escola Nacional de
Florestas com a criação do prédio de madeira da foto apresentada anteriormente,
dentre outros paliativos para corrigir uma série de problemas.
Assim,
realizou-se a transferência da Escola Nacional de Florestas para a Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Muitas tem sido as discussões sobre os verdadeiros
motivos dessa transferência, sendo alguns até mesmo polêmicos, porém, não há
consenso algum, nem mesmo clareza, sobre o que tanto motivou o ocorrido.
A
transferência da ENF para Curitiba, Paraná, não foi bem aceita pela
administração e pelos professores da UREMG ligados à Escola. A qual se
posicionou sempre contrária a essa transferência, mesmo não tendo condições
efetivas de permanecer com o curso.
Logo,
após conhecimento do Diretório Acadêmico Bernardo Sayão, em Viçosa, de que a
transferência da Escola Nacional de Florestas estava assegurada oficialmente,
foi proposta a escolha de três estudantes do curso para virem a Curitiba tratar
de assuntos de seu interesse, como hospedagem, local para refeições e
localização física da Escola. Além do Presidente do Centro Acadêmico, Nelson
Venturin, foram Sylvio Péllico Neto e José Cezário Meneses de Barros nessa
comitiva, que foi recebidos pelo Magnífico Reitor Flávio Suplicy de Lacerda,
com muito entusiasmo e cordialidade. O qual manifestou positivamente pela
chegada da Escola Nacional de Florestas para Universidade Federal do Paraná.
Onde então formaram-se os primeiros
engenheiros florestais?
Com a transferência do curso, procedeu-se a mudança de todos os bens
móveis da Escola Nacional de Florestas de Viçosa, inclusive dos professores, do
Diretor, e dos poucos funcionários da ENF. Os estudantes seguiram em mudança
para Curitiba, onde se apresentaram para o primeiro dia de aula na UFPR, em 1º
de março de 1964. Ficaram em Viçosa alguns professores das disciplinas básicas,
além do prédio provisório de madeira, um viveiro florestal com alguns
equipamentos e outros materiais que não seriam prioridade na nova sede.
![]() |
Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde formou-se a primeira turma de Engenharia Florestal do Brasil |
Só
que a UREMG, em março de 1964 criou a Escola Superior de Florestas, de modo a
oferecer novamente o curso de Engenharia Florestal para os estudantes que
quisessem voltar para Viçosa, para assim concluírem lá o curso, mas apenas
cinco alunos da primeira turma, um da terceira e dois da quarta turma,
decidiram permanecer em Viçosa e assim se graduaram pela Escola Superior de
Florestas da UREMG. Os alunos da segunda turma transferiram-se integralmente
para Curitiba, juntamente com a Escola.
Então,
em virtude da situação desagradável pela transferência da Escola nacional de
Florestas para Curitiba, e da criação carrasca da Escola Superior de Florestas
em Viçosa, a primeira turma de engenheiros florestais brasileiro se formou em
duas escolas diferes.
Contudo,
em termos de datas, foi a UFPR que formou os primeiros engenheiros florestais
do Brasil, em 8 de dezembro de 1964 foi realizada a colação de grau de 14
estudantes, sendo eles: Alcina Moricí, Antonio Bartolomeu do Vale, Hércio
Ladeira, Herval Junior, Hildebrando Flor, João Campos, Jonas Morelli, José
de Moura, Júlio Paizão, Luiz Lobo, Otto Schimidt, Roberto Silva, Roberto
Ramalho e Vagner Pinto.
![]() |
Primeira turma formada em 1964 pela UFPR (Foto: Ladeira, 2002) |
Foi o formando Hércio
Pereira Ladeira quem fez o juramento da turma, por ter tido o melhor rendimento
acadêmico no quinto ano, segundo as normas da Universidade do Paraná, sendo,
portanto, o primeiro engenheiro florestal a colar grau no país.
![]() |
Hércio Ladeira (1º Eng. Florestal do Brasil) |
Já
os cinco primeiros engenheiros florestais da Escola Superior de Florestas da
UREMG, criada em Viçosa imediatamente a transferência do curso para Curitiba,
graduaram-se em 15 de dezembro de 1964 os seguintes: Geral do dos Santos, José
Mariano da Rocha, Reinaldo Araújo, Renato Brandi e Sebastião da Silva. O
primeiro a se graduar nessa escola, foi o engenheiro florestal Geraldo José dos
Santos, quem fez o juramento da turma.
Por
via das dúvidas, em termos de datas, é então a UFPR quem detém de fato a formação
dos primeiros engenheiros florestais do Brasil. Contudo quase que ao mesmo
tempo, dias após a primeira turma da UREMG, hoje UFV, também formava seus
primeiros engenheiros florestais brasileiros.
Então,
de modo a sanar a polêmica da instituição detentora do mérito, a universidade
pioneira no curso de engenharia florestal e primeira turma formada, entende-se
que foram as duas instituições praticamente ao mesmo tempo, e que merecem todos
os méritos pelos feitos. Contudo, em meio a tantos questionamentos sobre toda
essa história, o que não conseguimos resolver é a confusão indecifrável da
instalação, transferência para Curitiba e criação imediata de novo do mesmo
curso em Viçosa após a tal transferência.
Ainda
há muita história florestal para investigarmos!
Caro leitor, deixe seus
comentários sobre o que achou da matéria e sua opinião sobre o tema abordado.
Sua participação é importante para nos ajudar a contar a história da engenharia
florestal brasileira.
Referências
Bibliográficas
Macedo,
J.H.P.; Machado, S. A. A Engenharia Florestal da UFPR: história e evolução da
primeira do Brasil. Curitiba: UFPR, 2003.
Ladeira,
H. P. Quatro Décadas de Engenharia Florestal no Brasil. Editora SIF, Viçosa,
2002.
Terezo,
E. F. M. Amazônia: 60 anos de pesquisas florestais. Editora Marques, Belém.
2014.
Ficou muito bom este retrospecto sobre a Engenharia Florestal no Brasil, deixando bem claro que a primeira escola foi criada em 1960 e alocada em Viçosa, a qual foi transferida oficialmente para a Universidade Federal do Paraná em novembro de 1963 onde se estabeleceu definitivamente. Com a transferência da primeira escola de Engenharia Florestal para a UFPR/Curitiba, o governo do estado de Minas Gerais criou a segunda escola de Engenharia Florestal dentro da então Universidade Rural do estado de Minas Gerais (UREMG), a qual recebeu o nome de Escola Superior de Florestas. A UREMG foi federalizada em 1968/69. Creio que as dúvidas existentes, de quem as tinha, foram sanadas sobre qual a escola mais antiga do Brasil. Eu costumo dizer que a males que vem para o bem, com a transferência da primeira escola para Curitiba, criou-se quase que imediatamente a segunda escola de Engenharia Florestal no Brasil. As duas se desenvolveram e constituíram-se no pilar para o desenvolvimento do ensino, pequisa e da formação de recurso humano qualificado para as inúmeras outras escolas que surgiram Brasil afora.
ResponderExcluirExcelentíssimo Professor Sebastião,
ExcluirÉ uma honra ao Central Florestal receber vosso comentário na matéria.
Atenciosamente,
Central Florestal