Por | Huezer Sperândio 

Editoração| Luciano França, Vicente Toledo e Matheus Pedro.

Atributos climáticos, recursos hídricos, características morfológicas e solo são cruciais para determinar o potencial de uso da terra (Imagem: Freepik)

Você já parou para pensar como a famosa Inteligência Artificial pode ampliar as possibilidades de compreender e planejar o uso da terra de maneira mais inteligente e sustentável? Aumentando produção e ganho em produtividade e ao mesmo tempo respeitando a capacidade da natureza?

Com esse propósito, desenvolvemos um modelo que integra dados geoespaciais e inteligência artificial para avaliar a aptidão do solo a sistemas agrossilvipastoris (agricultura, pecuária e floresta). Para os nossos testes e investigação, utilizamos uma área de bacia hidrográfica em Minas Gerais. O estudo, recentemente publicado na revista Agricultural Systems, celebra e reconhece um conjunto de ferramentas capazes de equilibrar a produção rural com a conservação ambiental.

A pesquisa foi realizada em duas bacias hidrográficas localizadas na região da Serra do Espinhaço em Minas Gerais: Rio Preto e Ribeirão Santana, que juntas somam cerca de 39 mil hectares. Essas áreas apresentam características típicas do Cerrado e dos campos rupestres, ecossistemas de alta biodiversidade e grande relevância ambiental. Nosso objetivo foi entender como diferentes atributos da paisagem (como clima, relevo, solo, disponibilidade de água e acesso humano) influenciam o potencial produtivo e sustentável dessas terras. 

Utilizamos técnicas de aprendizado de máquina, em especial o algoritmo Random Forest, para treinar o modelo com base em dados coletados em campo e em informações geoespaciais de fontes oficiais. Ao todo, foram integradas 100 camadas de dados, que incluíram variáveis climáticas, hidrológicas, morfológicas, edáficas e de acessibilidade. Esse volume de informações permitiu a construção de um modelo robusto e de alta precisão, capaz de indicar com maior segurança as áreas mais adequadas para atividades agrossilvipastoris.


Vamos entender melhor o que é o Random Forest?

Imagine que você precisa tomar uma decisão muito importante e difícil, por exemplo, "Qual é o melhor lugar para plantar eucalipto nesta região?" Você poderia perguntar a um único especialista. Ele vai olhar para o solo, o clima, a inclinação e dar uma opinião. Talvez ele acerte, mas ele pode ter um "viés", pois talvez ele goste muito de áreas com sombra e ignore outras áreas que também são boas. Confiar em uma só pessoa é arriscado!

O que o Random Forest faz?

Em vez de perguntar a um só especialista, agora você decide criar um, digamos, "comitê de especialistas" para tomar a decisão. Só que você não quer que todos os especialistas pensem igual. Se todos eles leram o mesmo livro e fizeram a mesma faculdade, eles terão os mesmos vícios e podem errar juntos. O Random Forest (ou Floresta Aleatória) é um jeito de criar um comitê de especialistas (as chamadas árvores de decisão) que pensam de jeitos diferentes.

Atributos climáticos, recursos hídricos, características morfológicas e solo são cruciais para determinar o potencial de uso da terra (Imagem: Freepik).

A partir disso, os resultados da nossa pesquisa mostraram que considerar apenas os fatores tradicionalmente usados em estudos de aptidão, como tipo de solo, litologia e declividade, pode levar a interpretações simplificadas e até equivocadas. Quando incluímos variáveis de clima e recursos hídricos, observamos uma redução significativa das áreas consideradas aptas para produção. Em outras palavras, o modelo revelou que parte das terras que antes seriam classificadas como adequadas, na verdade, apresentam limitações importantes, especialmente ligadas à disponibilidade de água e às condições climáticas locais. Por outro lado, ele também identificou zonas específicas de alto potencial produtivo, capazes de sustentar o uso integrado e sustentável da terra.

Além de ampliar a precisão da análise, a metodologia trouxe ganhos ambientais e sociais. O mapeamento detalhado permite orientar o planejamento territorial e subsidiar políticas públicas mais alinhadas à realidade das paisagens rurais. A ferramenta pode apoiar desde órgãos de gestão ambiental até pequenos produtores interessados em adotar práticas de produção sustentável. Ao compreender melhor as características de cada área, é possível definir estratégias de uso que respeitem os limites ecológicos e ao mesmo tempo fortaleçam a economia local.

Utilizar diversos atributos da paisagem é essencial para um planejamento informado do uso da terra (Imagem: Freepik).

 

Os resultados também apontam para a importância de se pensar o planejamento da paisagem de forma integrada, considerando a bacia hidrográfica como unidade de referência. Mesmo em regiões próximas, as diferenças em relevo, solo e clima são expressivas e influenciam diretamente a viabilidade das atividades produtivas. Isso reforça a necessidade de políticas intermunicipais que tratem o território como um sistema ecológico contínuo, e não como uma soma de áreas isoladas ou apenas dentro do próprio limite municipal.

Outro ponto relevante é que, mesmo em locais de baixa aptidão agrícola, há grande potencial para a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos. Nessas áreas, programas de pagamento por serviços ambientais podem ser estratégicos, recompensando produtores que mantêm vegetação nativa e protegem nascentes. Essa integração entre produção e conservação está em sintonia com os princípios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU.

O estudo foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal da UFVJM, com a participação de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG). A pesquisa contou com apoio da FAPEMIG, CNPq, CAPES e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Zoneamento Ambiental Produtivo (NEPZAP-UFVJM).

Acreditamos que integrar ciência e tecnologia é o caminho para um novo modelo de gestão do território, mais eficiente e responsável. Ao utilizar a inteligência artificial para compreender o potencial e os limites da paisagem, damos um passo importante na direção de um futuro em que produzir e conservar caminham lado a lado.

  • Confira o artigo completo em:
 Sperandio, H. V. et al. Land suitability modeling integrating geospatial data and artificial intelligence. Agricultural Systems, 223, 104197. 2025. Disponível em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308521X24003470

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