O Eng. Glauber Pinheiro apresentou-nos um diagnóstico da atual engenharia florestal brasileira


É com muita satisfação, que entrevistamos hoje Glauber Pinheiro, Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Presidente da Sociedade Brasileira dos Engenheiros Florestais (SBEF); Conselheiro da Comissão Nacional de Florestas – CONAFLO; membro da Comissão de Gestão de Florestas Públicas - CGFLOP; e membro do Comitê Gestor da Conta Tropical Forest Conservation Agreement – TFCA. 

Glauber é um dos principais militantes no país responsáveis pela sustentação da luta pelos direitos da classe frente ao Sistema Confea/Crea. A entrevista é realizada por Luciano França, Administrador e Coordenador de Redação da Central Florestal, acompanhe na íntegra abaixo: 

Central Florestal: Glauber, nossa primeira pergunta é a mesma que fazemos a todos entrevistados da Central Florestal, o que motivou-lhe a escolher a engenharia florestal como carreira? Conta-nos um pouco sobre.

Eng. Glauber Pinheiro: Eu poderia dizer que num primeiro momento foi obra do destino. Eu fazia uma outra faculdade, e fui conhecer a Universidade Rural através de uma amiga, e me encantei pelo lugar. Minha amiga fazia um curso que não tinha nenhuma relação com a Engenharia Florestal (e eu também), mas a partir daquele momento o rumo da minha vida mudou completamente. Eu conheci a Engenharia Florestal.
    Já atuei em várias áreas da profissão, e claro que tenho as minhas preferências, mas acho que não foi nenhuma atividade específica que fez eu me apaixonar pela Engenharia Florestal. Com certeza foi o conjunto, foi a filosofia da Ciência Florestal, o conceito da profissão em sua forma mais abrangente.

Central Florestal: A pergunta para que possamos ir direto ao ponto central. O que é de fato que está acontecendo com a classe de Engenheiros Florestais do Brasil? A participação destes nas entidades e câmaras especializadas tem sido satisfatória? Se não, o que falta de verdade?

Eng. Glauber Pinheiro: Passamos por um importante momento de transição na representação de nossa classe. Em um passado recente a nossa realidade era bem diferente. Tínhamos 28 Cursos de Graduação em Engenharia Florestal no Brasil, poucos profissionais, e pouquíssimos representantes atuando politicamente em nome da categoria. Entre estes, tínhamos alguns abnegados, muitas vezes pregando no deserto em defesa da categoria, e outros, como em qualquer segmento da sociedade, utilizando-se desta representação para fazer política de interesse pessoal, e que em alguns momentos apresentavam conflitos com os interesses da Engenharia Florestal, inclusive.
Junto ao Sistema Confea/Crea, tínhamos algumas vitórias pontuais, graças ao empenho destes poucos abnegados, raramente reconhecidos pela própria classe.
Hoje a realidade é outra. Temos 73 Cursos de Graduação, mais profissionais no mercado e atuando junto à sociedade, foram criadas diversas entidades de classe por todo o Brasil, conseguimos criar Câmaras Especializadas de Engenharia Florestal, aumentar nossa representação nos fóruns nacionais e nos CREAs, foram criados diversos veículos de informação na área florestal, com focos distintos. Somado à isso, o avanço tecnológico também permitiu novas formas de comunicação e divulgação de informações, que muitas vezes são utilizados para o bem, mas nem sempre.
Hoje, os estados que quiserem criar suas Câmaras Especializadas de Engenharia Florestal nos CREAs, não terão as mesmas dificuldades de 5 anos atrás, por exemplo. Nossas vitórias já não são apenas pontuais e isoladas, mas fazem parte de um contexto maior, de alguma estratégia no contexto nacional. Sempre acreditamos que estas portas abertas criariam atalhos que facilitariam a atuação dos colegas que viessem na sequência, e isso aceleraria o nosso crescimento.
Isto está acontecendo, o que é muito positivo. Porém os atalhos e as facilidades das novas tecnologias também têm suas consequências. Um trajeto menor e facilitado, acaba diminuindo o exercício e o acúmulo de experiência. Da mesma forma que o avanço da tecnologia também tem contribuído para a proliferação de boatos e de informações erradas, que prejudicam o trabalho.
Eu acho que, de um modo geral, ainda falta um maior envolvimento político da nossa classe. Falta o conhecimento histórico do que já foi feito, de como chegamos onde estamos, e mesmo da história recente, dos últimos 10 anos, por exemplo. E sem conhecer o passado, não podemos analisar o presente e nem projetar o futuro. Também acho que falta um maior conhecimento das normas vigentes, do funcionamento das instituições, o que prejudica muito um debate mais aprofundado sobre as soluções para os problemas que nos afligem.

Central Florestal: Quais tem sido as principais estratégias da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais – SBEF, frente aos atuais desafios da classe?

Eng. Glauber Pinheiro: Trabalhamos muito para tentar mudar o quadro que descrevi na pergunta anterior, através de várias iniciativas.  Apostamos muito na comunicação, a criação da RedeFlorest@l e das Redes Estaduais, com o objetivo de divulgar as informações, dar transparência nas ações, e promover o debate, provocar um maior envolvimento dos profissionais. O aumento do número de Cursos de Graduação foi fomentado pela SBEF, e alguns de nossos trabalhos publicados contribuíram para isso. Ajudamos na criação de novas entidades, de Câmaras Especializadas nos CREAs, na formação política de novas lideranças, na orientação para o avanço das ações das entidades e dos profissionais.
Criamos o Manual de Fiscalização das Atividades da Engenharia Florestal, visando coibir o exercício destas atividades por profissionais não habilitados, garantindo assim a qualidade dos serviços prestados para a sociedade, a boa imagem das atividades florestais, e o mercado de trabalhos para os nossos profissionais.
Hoje, a principal bandeira da representação política da classe, que é a implementação da PNS63, é uma luta iniciada pela SBEF há mais de 10 anos atrás.
E a SBEF tem trabalhado duro para que isto aconteça, bem como continua na sua missão precípua de apoiar as demandas das Associações de Engenheiros Florestais, e de representar a classe nos mais diversos fóruns.
Mas a SBEF passa por diversas dificuldades financeiras e estruturais. Há a necessidade eminente de fazer uma reformulação estatutária. Eu mesmo, só estou na presidência porque tive que assumir após a renúncia do Presidente. Eu era Vice-Presidente de uma Chapa que precisou ser eleita pelo Conselho Deliberativo, ou seja, de forma indireta, após tentativa de fraude na última eleição, um fato isolado que borra a nossa história, mas que só foi possível diante as falhas estruturais que citei.

Central Florestal: Como estão as Câmaras Especializadas de Engenharia Florestal nos estados? Em termos de eficácia, mas também em números.

Eng. Glauber Pinheiro: Em termos de números, 2017 foi o quinto ano de funcionamento de nossa Coordenadoria Nacional, com 5 Câmaras Especializadas. Para 2018 já temos a previsão de 8 Câmaras instaladas. O caminho ainda é longo para que tenhamos Câmaras Especializadas nos 27 CREAs, mas as que estão funcionando têm feito um bom trabalho.

Central Florestal: Glauber, como ficou a questão da PNS 63, aprovada no 9º Congresso Nacional de Profissionais? Em termos de prazos e estruturação para implementação, como ficou definido?

Eng. Glauber Pinheiro: Infelizmente ainda não está definido. Falta a aprovação pelo Plenário do CONFEA.
   Me virei para estar em Brasília nas duas últimas Sessões Plenárias que ocorreram, nos últimos 15 dias. A matéria estava na pauta, mas ainda não entrou em discussão. Haverá outra Sessão no final deste mês, e espero conseguir estar presente para defender a matéria, já que o Plenário do CONFEA não tem nenhum Engenheiro Florestal como Conselheiro Titular.

Central Florestal: Segundo levantamento do INEP (2015), contabilizou-se um total de 60 instituições de ensino superior que já contam com 71 cursos de graduação em Engenharia Florestal. És otimista quanto esse crescimento? O mercado tem condições de atender aos novos engenheiros formados nestas instituições?

Eng. Glauber Pinheiro: O estudo que a SBEF publicou há alguns anos atrás apontava como número ideal 92 Cursos de Graduação. Chegamos à este número com base no tamanho do território nacional, os biomas existentes e a população de cada região.
Acho que o mercado tem como absorver estes profissionais. Existe muita demanda para as atividades que podem ser realizadas por estes profissionais. O que falta é um maior conhecimento sobre a Engenharia Florestal por parte da sociedade, das instituições, dos empregadores. E falta fiscalização, tem muita gente exercendo nossas atividades sem conhecimento e habilitação para tal.

Central Florestal: O que dizer de atribuições e serviços importantes da engenharia florestal, sendo assumidos e realizados por profissionais de outras áreas?

Eng. Glauber Pinheiro: Pois é, como falei anteriormente, falta fiscalização. Este é o real serviço que as Câmaras Especializadas devem promover.

Central Florestal: Como estimular a criação de novos líderes atuantes, efetivos, militantes, na Engenharia Florestal brasileira?  Quem são os responsáveis por isso?

Eng. Glauber Pinheiro: Eu acho que isso é uma coisa natural, liderança não se aprende na escola, é uma característica do indivíduo. Muitas vezes vejo alguns tentando forçar a barra para fabricar “lideranças”, o que acaba atrapalhando a luta e principalmente a organização.
Acho que uma liderança se constrói através das ações realizadas, do compromisso pessoal com a realização destas ações, da efetividade de seus resultados, do empenho do indivíduo, da experiência que é acumulada, e da capacidade de mobilização.
Geralmente quando uma liderança é fabricada artificialmente, não temos o mesmo empenho e principalmente o mesmo compromisso. Isso é perigoso e a história nos mostra vários exemplos.
O que podemos fazer para que surjam novas lideranças é divulgar a história, as nossas causas, as bandeiras e as formas de participação. O restante vai depender da pessoa, da sua dedicação e de suas características pessoais.

Central Florestal: Glauber, há uma questão que muitos profissionais gostariam de saber, é quanto ao Novo Código Florestal, Lei nº 12.651, aprovado em 25 de maio de 2012. Na época, como que foi a participação da Engenharia Florestal nessa reformulação? O governo procurou e tem procurado atualmente a SBEF e demais entidades especializadas. Tens este diagnóstico?

Eng. Glauber Pinheiro: A SBEF não foi procurada em nenhum momento. Tentamos participar da discussão oficial, e não nos foi dado nenhum espaço para isso.

Central Florestal: Para canalizarmos ao término da nossa entrevista, Glauber, em 2015, o Brasil estabeleceu e assumiu metas ousadas no Acordo de Paris, no que tange as mudanças climáticas do planeta, dentre os principais fatores, está o florestal, que vai desde alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia, à efetiva implementação e confirmação do cumprimento do Código Florestal, bem como a restauração de 12 milhões de hectares florestas até 2030.
Como a engenharia florestal deve atuar nisto? Como a classe pode assumir posição estratégica neste bolsão de possíveis oportunidades na economia florestal brasileira? Achas que o Brasil tem capacidade de cumprir estas metas?

Eng. Glauber Pinheiro: Sim, em termos de ciência, de tecnologia, de profissionais qualificados e de extensão territorial, temos todas as condições para isso. Só não sei se há vontade política para tal. A Engenharia Florestal deve ser protagonista neste processo, desde o planejamento à execução.

Central Florestal: Glauber, aqui encerramos a entrevista, mas gostaríamos que deixasse uma mensagem aos novos, aos já atuantes e aos estudantes de engenharia florestal no Brasil, sobretudo, de ânimo, frente a tempos complexos economia nacional, no mercado. E como podemos vencer como classe unida.

Eng. Glauber Pinheiro: Luciano, antes de qualquer coisa, eu quero mais uma vez te parabenizar pelo trabalho. Eu gosto muito deste formato do Central Florestal e da significância das matérias que publicam.
O que eu posso dizer é que a Engenharia Florestal é uma das mais belas, importantes e necessárias profissões do planeta, principalmente aqui neste nosso país com nome de árvore. Mas que, ao longo dos tempos, ela foi relegada pelos tomadores de decisão e até mesmo pelos próprios profissionais. Desta forma, ainda falta muita coisa para que a Engenharia Florestal seja respeitada e esteja no patamar que merece. Por isso se faz importante a participação e contribuição de todos os Engenheiros Florestais do país, para que juntos consigamos cumprir esta missão, colocando a Engenharia Florestal como elemento fundamental para o desenvolvimento de nosso país e em benefício de toda a população.
Levem o nome da Engenharia Florestal por onde forem, façam com que ele sempre seja lembrado e respeitado. São com ações cotidianas, com pequenos atos, que podemos juntar as nossas forças por um bem comum. Sejamos mais unidos. Vamos tentar que a empresa que trabalhamos contrate mais um Engenheiro Florestal, ou abra uma vaga de estágio para um futuro colega. Vamos participar mais de nossas entidades de classe, discutir os problemas com outros colegas, buscar soluções conjuntas, conhecer o que já foi feito e o que está sendo feito neste momento. Que novos colegas estejam engajados nesta luta. E a SBEF estará sempre de portas abertas para quem tenha este mesmo objetivo e queira somar esforços para o fortalecimento de nossa profissão.
Saudações Florestais.

4 Comentários

  1. Excelente entrevista. É muito bom ler informações e opiniões tão valiosas a respeito da Engenharia Florestal.
    Parabenizo aos administradores do site pelo trabalho, principalmente ao meu caro amigo Luciano.
    Unamo-nos mais.

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  2. Parabéns a ambos, entrevistado e entrevistador. Nesta entrevista, deu para perceber que, em que pese a importância e excelência da Engenharia Florestal, no contexto do desenvolvimento científico, tecnológico e inovador do país, nós profissionais dessa área ainda enfrentamos grandes dificuldades, sobretudo, em termos de respeitabilidade de competência e concorrência desleal da parte de outras profissões correlatas que invadem e usurpam atribuições intrínsecas da Engenharia Florestal. E isso começa dentro do próprio Sistema Confea/Creas. Vocês já viram algum Engenheiro Florestal ou Engenheira Florestal ocupando algum cargo de direção dentro desse Sistema? Por isso, eu acho muito interessante essa ideia da criação de Câmara Especializada Florestal dentro do Sistema Confea/Creas em nível nacional, e logicamente ocupada por Engenheiro ou Engenheira Florestal. Já é um bom começo. Por fim, gostaria se sugerir ao colega Glauber Pinheiro, presidente da SBEF, que planejasse uma campanha nacional de valorização profissional do Engenheiro Florestal, com o seguinte mote: "Antes de tocar numa FLORESTA consulte o ENGENHEIRO FLORESTAL.". Obrigado. Forte Abraço.

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  3. Parabéns aos organizadores deste site pela excelente entrevista!

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  4. Eduardo Pinheiro Henriques

    Também quero parabenizar pela excelente entrevista.

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